Depois de ler a sinopse de Vita Nostra, eu só queria descobrir o que levaria uma adolescente a aceitar tarefas bizarras de um desconhecido durante as férias. Agora que finalizei as 500 páginas, posso dizer: ainda não sei. Mas isso não quer dizer que não tenha amado cada segundo da leitura.
Na verdade, Vita Nostra mexeu tanto comigo que foi impossível largar. Eu precisava saber. Precisava entender. Queria respostas. E, no fim, o que recebi foram mais perguntas, mas com aquela estranha sensação de satisfação que só bons livros (e bons labirintos) conseguem provocar.
A história acompanha Sasha, uma jovem prestes a entrar na universidade. Tudo muda quando, durante uma viagem de férias, um homem misterioso exige que ela cumpra uma tarefa: nadar nua no mar, todos os dias, às quatro da manhã. Estranho o suficiente. Mas o que acontece depois ultrapassa qualquer lógica: ela vomita moedas de ouro. E descobre, da forma mais cruel possível, que desobedecer tem consequências reais. E fatais.
Um encontro peculiar
Essa é só a primeira camada do que parece um acordo mágico, porém não se engane: Vita Nostra não entrega magia no sentido clássico. Aqui, o que é estranho permanece estranho. O que é poderoso, permanece inexplicável.
Sasha é então direcionada a uma instituição bizarra, o Instituto de Tecnologias Especiais. Uma escola isolada, secreta, onde os alunos estudam… o quê, exatamente? Palavras. Conceitos. Realidades que não fazem sentido imediato. Ela não entende o que está fazendo ali (e nós, leitores, também não). E é esse desconforto compartilhado que nos aproxima dela. A gente não lê Vita Nostra com distanciamento. A gente vive a confusão com a protagonista.


E confesso: esse foi um dos elementos que mais gostei.
O livro se recusa a te dar o conforto da compreensão plena. Ele te arrasta junto, te cansa, te empurra contra o desconhecido. Mas, ao mesmo tempo, te hipnotiza. Há uma tensão constante, um incômodo sutil que prende. E você continua porque, como Sasha, você sente que há algo importante ali, mesmo sem conseguir nomear.
A comparação com Harry Potter pode surgir no início (escola misteriosa, professores enigmáticos, alunos especiais), mas logo se desfaz. Em Torpa, não há espaço para feitiços engraçados ou aventuras juvenis. A atmosfera é densa, as provas são existenciais, os erros custam caro. O aprendizado, aqui, é quase uma metamorfose.Pode ser que você se lembre de uma série ao ver Sasha pegando um trem para um local desconhecido, mas não se engane. Apesar de Hogwarts também ter seus professores frios e exigentes, em Torpa a coisa é mais sinistra. Os alunos são obrigados a estudarem assuntos que não entendem e sabem das consequência se forem reprovados.
Mas então, o que é o Instituto de Tecnologias Especiais?
E Sasha… que personagem complexa. Ao longo da trama, ela se transforma de forma assustadora. Seus poderes crescem, sua percepção se expande, sua humanidade se desorganiza. E, ao mesmo tempo, sua obsessão pelo estudo aumenta. Ela quer entender — e isso a consome. Me vi ali. Na vontade de compreender. Na frustração com a falta de respostas. Na sensação de estar perdendo algo essencial enquanto tenta “fazer o certo”.
Vita Nostra é sobre linguagem. Mas também é sobre identidade. Sobre como nomear o mundo é também moldar a si mesmo. Sobre como palavras constroem e destroem. Fiquei pensando em Dumbledore, em Harry Potter, quando dizia que “palavras são, na minha humilde opinião, nossa inesgotável fonte de magia”. Aqui, elas são mais do que isso. São lei. São forma. São transformação.
Mas não espere explicações. Não espere revelações confortáveis. O livro entrega sensações, conceitos, símbolos. E, em vez de soluções, te convida a tolerar o mistério.
Ao terminar a leitura, tive a estranha sensação de que alguém tinha arrancado o livro das minhas mãos antes do final. Como se eu estivesse à beira de entender… mas o sinal cortou. Ainda assim, fechei a última página com um tipo curioso de paz. A sensação de que, mesmo sem entender tudo, algo em mim tinha se transformado também.
Talvez seja isso que o livro queira fazer desde o começo. Te obrigar a abandonar a necessidade de controle. Te mostrar que há beleza e verdade em não entender.
Vita Nostra – Playlist Dark Academia

…O mundo, como vocês o veem não é real. E a forma como o imaginam… não chega nem perto do real. Certas coisas parecem óbvias para vocês, mas elas simplesmente não existem.
Vita Nostra

Vita Nostra
Marina & Sergey Dyachenko
- Editora:
- Morro Branco
- ISBN:
- 978-6586015287
- Autoria:
- Marina & Sergey Dyachenko
- Páginas:
- 520