Circe – Madeline Miller
o que acontece quando uma mulher se recusa a ser invisível

Ganhei Circe de presente da minha sogra, e antes mesmo de começar a leitura, já sabia que era especial. O livro estava na minha lista de desejados fazia um bom tempo e confesso que não hesitei em furar a fila de leituras quando abri o pacotinho. Algumas histórias parecem encontrar a gente na hora certa, e essa foi uma delas.

Eu preciso ler mais sobre mitologia grega; sempre me encantei pelas figuras femininas que vivem à margem dos grandes heróis. Mulheres fortes, mas chamadas de bruxas. Misteriosas demais para serem compreendidas. Independentes demais para serem amadas sem medo. Circe sempre foi uma dessas figuras que me intrigavam.

Deixe-me dizer o que a magia não é: não é poder divino, que vem com um pensamento e um piscar de olhos. Deve ser feita e trabalhada, planejada e procurada, desenterrada, secada, fatiada e moída, cozinhada, encantada e cantada. Mesmo depois de tudo isso, pode falhar, ao contrário dos Deuses. Se minhas ervas não estiverem frescas o suficiente, se minha atenção vacilar, se minha vontade for fraca, as poções se tornam chocas e rançosas em minhas mãos.

CIRCE

A escrita de Madeline Miller,

Na versão escrita por Madeline Miller, conhecemos uma Circe profundamente humana. A história é contada em primeira pessoa, o que transforma a leitura em quase um diário. A gente não observa Circe, a gente caminha, sente e sangra com ela. Logo nas primeiras páginas, me senti envolvida. Não só pela narrativa delicada, mas pela familiaridade estranha que senti com sua solidão.

Circe cresce em meio a deuses, ninfas e titãs, mas desde cedo aprende a desaparecer. Sem beleza chamativa, sem dons que a colocassem em destaque, ela é ignorada por todos (inclusive pela própria mãe). E como tantas meninas negligenciadas, ela tenta agradar. Tenta caber. Tenta merecer algum tipo de afeto. Até que conhece um humano. E se apaixona. Acredita, pela primeira vez, que pode ser escolhida.

O que vem depois é desilusão, fúria, punição. Circe é exilada em uma ilha, afastada de todos por se tornar perigosa demais. Mas é nesse exílio que sua verdadeira transformação começa.

O que aprendi lendo Circe

Eu não serei como um pássaro criado em uma gaiola, pensei, entorpecido demais para voar mesmo quando a porta está aberta. Entrei naquela floresta e minha vida começou.

circe

Esse foi um dos aspectos que mais me tocaram no livro: a forma como a autora transforma a solidão em território fértil. O que era castigo vira recomeço. O que parecia fraqueza vira poder. Sozinha, Circe começa a se descobrir. A explorar seu saber. Construir a própria identidade, longe dos olhares que sempre a diminuíram.

A escrita de Madeline Miller é envolvente, quase hipnótica. Há um equilíbrio delicado entre poesia e brutalidade. A narrativa transita entre cenas suaves e momentos de dor crua, sem nunca perder o fio da sensibilidade. É uma fantasia sim, porém o que move a trama são os sentimentos mais humanos: o desejo de pertencimento, o medo do abandono, a dor de ser rejeitada por quem deveria cuidar.

Acompanhei a trajetória de Circe como quem observa uma mulher real amadurecendo. Ela erra, se fecha, se endurece. Depois tenta de novo. Aprende a se proteger. Se recusa a ser domada. E, pouco a pouco, deixa de esperar que o mundo a reconheça para finalmente se reconhecer.

Em vários momentos, me vi nela. Na forma como ela se decepciona, mas continua. No jeito que tenta disfarçar a dor com indiferença. Na vontade de simplesmente desaparecer… e na coragem de permanecer. Circe é poderosa, mas sua força mais bonita está nas falhas. Nas dúvidas. Nos momentos em que ela sente medo, mas escolhe continuar.

A ambientação da ilha é outro ponto que me marcou. Isolada do mundo, Circe cria o seu próprio espaço. E isso, para mim, tem um simbolismo forte: o de mulheres que precisam sair do centro do mundo para escutarem a própria voz. Que precisam do silêncio para reencontrar a si mesmas. A ilha não é prisão. É cura.

Não terminei Circe com lágrimas, mas com um suspiro longo. Daqueles que a gente solta quando entende alguma coisa sobre si mesmo que não consiga explicar com clareza. A leitura despertou em mim memórias antigas, sensações adormecidas, pensamentos sobre maternidade, sobre ser mulher, sobre não se encaixar e, mesmo assim, não desistir de existir por inteiro.

Se você gosta de histórias com camadas, com dor e beleza misturadas, com mulheres complexas, Circe vai te tocar. Não como um vendaval, contudo como uma maré que vai e volta, te empurrando suavemente até o fundo.

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Circe

Madeline Miller

ISBN:

9788542215861

Autoria:

Madeline Miller

Editora:

Planeta

Páginas:

3

Uma releitura corajosa e atual da trajetória de Circe, a poderosa – e incompreendida – feiticeira da Odisseia de Homero. Na casa do grande Hélio, divindade do Sol e o mais poderoso da raça dos titãs, nasce uma menina. Circe é uma garotinha estranha: não parece ter herdado uma fração sequer do enorme poder de seu pai, muito menos da beleza estonteante de sua mãe, a ninfa Perseis. Deslocada entre deuses e seus pares, os titãs, Circe procura companhia no mundo dos homens, onde enfim descobre possuir o poder da feitiçaria, sendo capaz de transformar seus rivais em monstros e de aterrorizar os próprios deuses.
Sentindo-se ameaçado, Zeus decide bani-la a uma ilha deserta, onde Circe aprimora suas habilidades de bruxa, domando perigosas feras e cruzando caminho com as mais famosas figuras de toda a mitologia grega: o engenhoso Dédalo e Ícaro, seu filho imprudente, a sanguinária Medeia, o terrível Minotauro e, é claro, Odisseu.
E os perigos são muitos para uma mulher condenada a viver sozinha em uma ilha isolada. Para proteger o que mais ama, Circe deverá usar toda a sua força e decidir, de uma vez por todas, se pertence ao reino dos deuses ou ao dos mortais que
ela aprendeu a amar. Personagens vívidos e extremamente cativantes, aliados a uma linguagem fascinante e um suspense de tirar o fôlego, fazem de Circe um triunfo da ficção, um épico repleto de dramas familiares, intrigas palacianas, amor e perda. Acima de
tudo, é uma celebração da força indomável de uma mulher em meio a um mundo comandado pelos homens.