Livros


Sobre a loucura de uma mulher -Astrid Roemer
(ou tudo aquilo que a gente não entende de primeira, mas sente mesmo assim)

Eu já sabia que não seria uma leitura fácil.
Desde as primeiras páginas, Sobre a loucura de uma mulher me deu aquele aviso silencioso: “você vai precisar estar inteira aqui”. E eu tentei. Juro que tentei.

Esse não é o tipo de livro que se atravessa com uma xícara de chá e o barulho da chuva no fundo. É denso, simbólico, por vezes desconexo. A narrativa é fragmentada, salta no tempo, muda de ritmo, some, volta. Me vi frustrada em vários momentos, me perguntando se era comigo; se eu não estava prestando atenção o bastante. E talvez não estivesse mesmo. Mas aí, do nada, Astrid Roemer me entregava uma frase tão bonita, tão certeira, que eu parava. Respirava. E continuava.

Foi minha primeira leitura da autora, e também meu primeiro mergulho literário em Suriname com toda a sua complexidade cultural, social e espiritual. E tudo isso filtrado pela voz de Noenka, uma mulher tentando existir no próprio corpo, na própria história, sem ser engolida por ela.

Noenka escreve cartas, conversa com Deus, se recusa a seguir um roteiro esperado. Ela é mãe, amante, filha, ferida, sobrevivente. Às vezes, lúcida. Às vezes, febril. E Sobre a loucura de uma mulher é isso: um livro que oscila entre o devaneio e o grito e onde nada vem explicado.

Houve trechos em que a beleza da escrita me fez quase esquecer que eu não estava entendendo tudo. Outros, em que precisei reler para tentar encontrar sentido (e nem sempre encontrei). A sensação era de estar em meio a uma dança que eu não conhecia os passos. Mas que, mesmo tropeçando, seguia. Porque tinha algo ali. Algo vivo.

Não dei cinco estrelas.
Sobre a loucura de uma mulher me provocou mais do que me acolheu. Me confundiu mais do que me abraçou. Mas, ainda assim, deixou marcas.

Talvez porque, como mulher, mãe e leitora, eu esteja aprendendo que nem toda leitura precisa ser confortável. Algumas servem justamente pra bagunçar. Pra abrir frestas. Pra nos lembrar que sentir, às vezes, é mais urgente do que compreender.

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Sobre a loucura de uma mulher

Astrid Roemer

Autoria:
Astrid Roemer

Editora:
Companhia das Letras

Páginas:
248
O casamento de Noenka e Louis durou exatos nove dias. Pouco mais de uma semana foi suficiente para que a jovem se desse conta dos abusos do marido. Exigiu o divórcio e, diante da recusa, fugiu de sua cidade natal, no interior do Suriname, para a capital Paramaribo. Insegura e sem apoio, sua vida nesse novo lugar é iluminada por uma série de envolvimentos amorosos ? como a sua primeira paixão arrebatadora por uma mulher, Gabrielle ? ao passo em que é constantemente assombrada por seu passado e pelas expectativas da sociedade. A história é ambientada no Suriname pós-colonial, com sua profusão de orquídeas raras, as diversas cobras que se escondem nas antigas plantações escravistas, os banhos com pétalas de rosas esmagadas, a culpa judaico-cristã, a brutalidade sexual, o ódio racial e as muitas chagas da colonização holandesa. Para esculpir uma jornada de libertação pessoal, Astrid Roemer recorre, à sua maneira, àquilo que persegue todos nós: o trauma, o prazer, a violência e a solidão. “Eles me desprezam lisonjeando minha vaidade e ao mesmo tempo me enchendo de vergonha”, pensa Noenka. “Além disso, só me restou uma timidez neurótica, a vergonha a cada olhar masculino e a hostilidade colossal de uma porção de mulheres. E isso me magoou, porque tudo que eu queria era ser confortada pelo amor.

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comentários

  • Laura Nolasco

    Oi, Clayci!
    Adorei o post. Faz um tempo absurdo que não mergulho em leituras assim, mas confesso que com a loucura da vida, tô me agarrando nos meus romances água com açúcar mesmo. Mas fiquei curiosa com esse livro, vou dar uma pesquisada pra quem sabe ler em breve, tô realmente querendo ler algo diferente e testar as águas de novo (na pandemia tentei, mas acho que não era o momento de sair da zona de conforto em mais uma coisa né? Agora as coisas se acalmaram mais)

    Abraços!

    responder
  • Luly Lage

    Oi, Clayci!
    Eu acho que a gente precisa dessas sacudidas pra tirar nosso chão às vezes, seja com leituras, filmes ou até relatos de vidas reais… E quando o sacode vem de forma bonita, ainda, é melhor!
    Seu relato já me deixou curiosa, mas quando li a sinopse e vi do que o livro se tratava como um todo fiquei beeeeeeem curiosa mesmo! Não sei nada sobre o cotidiano do Suriname, não faço ideia de como era ser uma mulher por lá no período pós-colonial, isso em si já é um baque: perceber o quão pouco a gente sabe do que está fora dos nossos olhos… Gostei!

    responder
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